O Artista - perfil de Assis Marinho


Fotos por Humberto Salles


Assis Marinho conversa da mesma forma que pinta quadros. Observa as sutilezas, pensa nos detalhes. A fala flui lentamente, em uma via determinada por ele e nem sempre compreendida pelos outros. Considerado uma das referências nas artes plásticas do Rio Grande do Norte, o artista plástico paraibano leva uma vida simples entre os bares e becos do centro de Natal. Atualmente prepara uma exposição individual, depois de muito tempo sem dar as caras nas galerias potiguares. “O problema é que vendo todos os meus quadros, não tenho acervo”.


Assis nasceu na cidade de Cubati, Paraíba. Aos cinco anos mudou-se com a família para Caicó. A família juntou o pouco que tinha e sem nenhum vintém chegaram na cidade potiguar. A troca foi determinada pelos os oito anos consecutivos de seca e fome na Paraíba. A mudança, a dor, a vida simples, o Seridó, a tradição católica e santeira dos seus pais marcaram o menino de uma forma irreversível. A pintura de Assis dialoga com o sertão, com o nordeste e suas tradi-ções religiosas e, sobretudo, com o sofrimento e a seca. “Às vezes choro quando pinto porque vejo naquilo a minha realidade”, conta o artista.


Autodidata, o menino Assis desenhava cabras e outros animais que via na sua infância seridoense. O seu negócio era fazer retrato do universo sertanejo e fortemente nordestino que povoa a sua mente. Com sete anos de idade, ele conta, esteve em Serra Negra do Norte. Ao ver o coronel e seus jagunços na frente de uma casa, Assis Marinho fez uma das suas pinturas mais marcantes. Foi recompensado com 50 cruzeiros. “Dei o di-nheiro para minha mãe fazer a feira de três meses e comprar meu uniforme”, disse.


Os anos de escola despertam sensações diferentes no artista plástico. Ele lembra com má-goas o fato de ser vitima de preconceito, porque era pobre demais. Não tinha dinheiro nem para comprar a farda. O orgulho brilha nos olhos castanhos de Assis quando ele lembra: nunca precisou de escola para aprender coisa alguma. Assis sempre pulava os anos. “Entrei na escola sabendo ler e escrever, sempre me passavam de série”, conta. Na quarta série largou de vez os estudos para nunca mais retomar. “Meu instinto sempre foi o de pintar”.


A trajetória da sua vida, Assis conta de forma entrecortada, dispersa, misturada por lem-branças atuais. Em um breve momento, ele para e conta: aos nove saiu de Caicó e veio com comerciantes para Natal. Viveu nas ruas e becos do centro da cidade, expulso de instituições como Educandário Osvaldo Cruz, Casa das Crianças e outros. Na época, ganhava trocados com retratos que fazia na Praia do Meio.


O talento do menino não tardou a ser reconhecido e admirado na província. Aos 18, entrou em uma exposição, ganhou notoriedade, prêmios e uma passagem de ida para São Paulo, onde estudaria na Escola de Arte Panamericana. “Cheguei lá e me dispensa-ram, o professor falou que eu já sabia”. Mesmo assim, decidiu ficar na capital paulista onde o frio “ardia nos ossos”, para tentar absorver alguma coisa da escola.


O dinheiro que ganhava, com-prava as roupas da época, pagava a entrada no matinê do Cine Nordeste – evento que nunca perdia. Entre suas histórias, Assis lembra-se de Roberto Carlos. O artista pintou um quadro para o rei, deu-lhe pessoalmente e recebeu outros 50 cruzeiros de recompensa do ídolo. “Com o dinheiro fui para Caicó me amostrar para as meninas”, revela, esboçando um dos seus raros sorrisos.


A vida atual de Assis corre melancólica, da mesma forma que é a expressão do seu rosto. Há bem pouco tempo, ele conta, teve uma convulsão por causa do alcoolismo. Quase morreu. “Teve gente que chegou lá em casa, perguntando quando seria o velório”, afirma de forma indiferente. A sua rotina divide-se entre o caminhar nas ruas do centro entre os bares e os becos e a pintura no dé-cimo andar do prédio 21 de Março, acompanhado do advogado Roberto Dias. Enquanto era entrevistado, trabalhava em mais um retrato de Miguel de Cervantes.


Pintar Miguel de Cervantes é uma das temáticas de Assis, que difere da sua pintura tradicionalmente sacra e nordestina. Essa obsessão pelo escritor espanhol nasceu nele depois da ler Dom Quixote. “Tenho mil e quinhentos quadros pintados em homenagem a Dom Quixote”, revela. Na tela, a figura de Cervantes se materializava entre os traços e as cores do giz de cera usado pelo artista.


Sobre os filhos e a ex-mulher, Assis é lacônico. Responde de forma monossilábica, limita-se a dizer que o mais novo mora em São João do Sabugi e o mais velho em Porto Alegre. “Eles só pintam o sete”, fala, irônico. Dentre as atividades favoritas, uma surpresa. Assis é cozinheiro. “Invento uns molhos e faço quase tudo no fogão”. A influência é a rica cozinha seridoense. Enquanto falava de culinária, cita uma única vez a ex-mulher. “Ela disse que não ia cozinhar mais, aí tive que aprender”. Observa o relógio, sai da sala. Assis é quem decide quando a entrevista acaba.


*Publicado no Novo Jornal


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